sexta-feira, 24 de setembro de 2010

3- Em casa denovo...

*Demorei para escrever denovo por várias razões, mas principalmente porque estava trabalhando muito e também fiz minha primeira viagem na Europa depois de tudo o que aconteceu. Passei 3 dias na Noruega andando muito e pensando no medo que senti um dia, acreditando que nunca mais estaria habilitada para uma viagem dessa, muito menos o simples fato de andar...
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Apesar do mal estar, era boa a sensação de estar ali dentro do carro dos meus pais denovo, indo para casa. O calorzinho da noite também era agradável. Finalmente um verão de verdade, pensava. Não quis ficar em Londrina aquela noite, mesmo cansada queria ir para Congonhinhas, para minha casa de verdade. Não lembro se a viagem demorou ou não, mas lembro do carro entrando em Congonhinhas, e como é engraçada essa sensação de voltar para um lugar depois de tantos anos fora. É possível sentir muita mudança dentro de você durante todo esse tempo, mas o lugar de onde você saiu continua o mesmo, tudo igual, as pessoas iguais, como se o tempo tivesse parado.
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Cheguei em casa finalmente e como foi bom estar ali, só não foi melhor porque meu pai já estava dormindo quando cheguei. Descarregamos as coisas, não muitas, pois até então só estava com a única e pequena mala que tinha chegado e fomos dormir. Finalmente uma cama de verdade, depois de horas de vôo e espera durante essa viagem.
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No dia seguinte acordei ainda sem voz e com mal estar semelhante ao que sentimos quando pegamos gripe. Vi a Su, mulher que trabalha lá em casa há anos, dei um abraço nela e lá fui eu com meu irmão conhecer as reformas da casa. Todos super felizes com a piscina nova.
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Depois de checar tudo e imaginar o quanto aproveitaria ainda a piscina durante as férias, voltei para dentro de casa. Poucos minutos depois meu pai apareceu...Segurou no trinco da porta que da para a lavanderia, bateu os pés no chão para tirar a sujeira dos sapatos, entrou, tirou os sapatos e lá fui eu abraçar meu pai depois de 3 anos. Como é boa essa sensação...
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Após rever todo mundo e almoçar em casa, fui para o posto com minha mãe. Não queria ficar em casa sozinha, queria rever tudo, rever todos...E como na rotina de todos os dias, depois do almoço fui com a minha mãe ao banco, só para andar um pouquinho.
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O banco de Congonhinhas fica perto do posto do meu pai, (o que não fica perto do que em Congonhinhas??) a um quarteirão, descendo a praça. O caminho curto foi o suficiente para eu ainda sentir enquanto caminhava, a dormência nos pés e nas mãos, mas nada que me preocupasse mais do que a falta da voz. Tudo que era mais perceptível para outras pessoas foi o que mais me incomodou durante essa doença. Acho que é o lado de todo ser humano de querer parecer perfeito. Primeiro foi a voz, no final o rosto.
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Depois do banco voltamos para casa e começamos a saga: localizar a mala da Cíntia (sem duplo sentido por favor). Enquanto dormia pela manhã minha mãe ja tinha tentado ligar para o número que tinham me dado no aeroporto de São Paulo, mas nada da minha mala ter chegado. Ligamos inúmeras vezes para o serviço de atendimento ao cliente da Tam, para tentar alguma informação e nada de respostas. Também tentamos o aeroporto de Londrina e nada. Toda essa história de bagagem estava realmente me deixando nervosa. Há mais de um mês estávamos planejando minhas férias e como encaixaríamos tudo dentro de 4 semanas e 4 dias. Ficou programado que iríamos para Balneário Camboriú no dia seguinte da minha chegada. Apesar de achar que seria muito corrido, minha mãe sempre repetiu que teria todo o tempo do mundo lá para descansar. Por eu ter perdido o vôo da Irlanda para o Brasil, a viagem foi adiada um dia. Depois toda essa história da bagagem que foi extraviada e a minha "gripe". Adiamos tudo por mais um dia.
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Todas as minhas roupas de verão que tinha comprado exclusivamente para a viagem para a praia estavam lá, e o que não conseguia engolir era o fato de talvez nunca mais encontrar minha mala, e como não tinha seguro, nada seria reembolsado. Ligamos mais uma vez pela tarde e ficamos sabendo que a mala ainda estava em Londres, eles não enviaram no vôo do dia seguinte, como prometeram, mas para um pouco de alívio, todo o sistema estava interligado e o aeroporto de Londrina tinha todos os dados e o código da minha mala, mas com a única informação de que ainda estava em Londres.
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Mesmo depois de dormir bem durante a noite e estar medicada, ainda me sentia bem diferente. Um mal estar de resfriado, cabeça pesada e um certo tipo de dor de garganta. Na verdade não sei se realmente senti as dores na garganta ou se foi totalmente psicológico por ter certeza de que realmente só poderia ser garganta inflamada. Como nada não tinha melhorado, fomos para a farmácia. Fui examinada mais uma vez e me receitaram Azitromicina, três comprimidos que eram a minha esperança de melhorar para ir para a praia.
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Quando estava descendo a rua da farmácia para voltar para casa um carro passou do nosso lado e parou, era o meu tio Elizeu. Mais uma pessoa da família que foi bom rever, especialmente por ter sido assim, inesperado. Logo depois fomos rever meus avós, a vó Lourdes e o vô Tião. Do mesmo jeitinho de sempre quando me viram, me abraçaram forte e logo percebi que o tempo para eles também tinha parado, ninguem envelheceu. Com a voz rouca conversei com eles durante um tempo, tomei o café preto da tarde, mas não parava de abrir e fechar as mãos, como se isso fosse melhorar a dormência. Abria e fechava, abria e fechava, para sentir se algo estava inchado ou sem sucesso tentar fazer a circulação melhorar.
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Como a casa da minha avó é em frente ao hospital municipal de Congonhinhas, fui para a fila para ter uma consulta. Chegando lá, claro que todo mundo cumprimentou minha avó, que é muito conhecida, por ter sdio enfermeira por anos e anos naquele hospital. Também perguntavam se eu era a neta que tinha chegado e o que tinha acontecido que já estava no hospital. Mas quem mais me chamou a atenção, foi uma menina que nos atendeu e que mais tarde descobri que é a enfermeira padrão do hospital. Priscila. Ela sorriu para mim e na hora soube que conhecia aquela menina. Enquanto ela conversava com minha avó e eu sentada ali, economizando minha voz, minha mente ficava: Priscila, Priscila, Priscila...Claro! PRISCILA. Não é que a menina tinha estudado quase todo o ensino fundamental e médio comigo no Coleginho, escola em Cornélio Procópio onde fique até ir para Londrina. Mundo pequeno...Nunca imaginaria que alguém fosse parar em Congonhinhas. Conversamos o máximo que pude com a fraca voz, mas o suficiente para contar sobre minha vida no exterior, o que gera a curiosidade das pessoas.
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Depois de pouco tempo chegou minha vez de ser atendida. Minha mãe entrou comigo, porque ela já tinha virado uma espécie de intérprete. Explicou tudo que tinha acontecido, os vôos que tinha perdido, inclusive a mala e tudo isso gerou os vários diagnósticos errados que tive. Enquanto me examinava o médico também contou que tem um sobrinho morando em Dublin, me falou o nome, do qual não me recordo no momento, e quase me fez acreditar que o conhecia, mas chegamos a conclusão de que não era a mesma pessoa da qual estávamos conversando. Depois da Priscila, era muita coincidência para 20 minutos em um único lugar. Saí de lá depois de tomar uma injeção, com a pressão normal e com a prescrição de continuar com a Azitromicina.
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Minha mãe e eu voltamos para casa, acreditando que tudo estava sob controle e fomos arrumar as malas para a viagem, sairíamos na madrugada do dia seguinte. Já tentando esquecer da minha mala, ou pelo menos relaxar, começamos a provar roupas. Como não dava para esperar minha bagagem chegar, teria que ir com o que minha mãe tinha. Vestidos, shorts e até biquinis experimentei aquele dia...foi bom ter aquela relação com minha mãe denovo, sentia falta de descutir gostos, falar de roupas e criticar as novas tendências que estavam por surgir. Terminamos o dia bem e fomos todos dormir.
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No dia seguinte, tentamos mais algumas vezes localizar a mala, mas a própria ainda estava em Londres, depois de 4 dias do meu embarque para o Brasil. No aeroporto de Londrina, deixamos todos os dados e eles ficaram de enviar para Congonhinhas, sem custo nenhum, a bagagem assim que chegasse. Deixamos todos os detalhes com o menino que trabalha com meu pai e começamos a pensar no melhor. Claro que por eu ser consumista e ter um amor inexplicável por roupas, minha mãe não deixava de mencionar que todo o meu mal estar e a falta de voz era preocupação por causa da mala, mas enfim, até eu acreditava as vezes.
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Quando andava e usava as minhas mãos, sentia a dormência de forma mais forte. Era algo que não conseguia esquecer. Todo o tempo estava batendo os pés no chão e abrindo e fechando as mãos. O mal estar foi piorando um pouco mais a cada dia, mas nada muito severo. Antes de viajar 3 amigas da minha mãe me viram, viram o meu rosto da forma normal, como sempre fui conhecida, viram o meu rosto do jeito que até hoje ainda não consegui ver denovo.
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No fim da tarde do dia 21 de Janeiro, meu senti um pouco mal e minha mãe decidiu me levar para outro clínico geral, antes de viajarmos. Fomos para Cornélio Procópio, para o hospital onde nasci. Antes de sairmos de casa para ir para lá, minha mãe ligou e confirmou se algum médico estaria lá, disseram que o Dr. estava de plantão. Me vesti e fui. Chegando lá fui levada para uma sala de espera e informaram que o médico tinha acabado de sair, mas como minha mãe tinha avisado que estávamos indo para o hospital, as enfermeras ligaram e o médico concordou em voltar. Enquanto esperava, as enfermeiras vieram conversar com a gente e foi bom para o tempo passar. Depois de contar toda minha história, a pergunta final é quase sempre a mesma, independentemente do lugar que eu esteja. "E aí, arrumou um irlandês por lá para casar?" e quando respondo que não, mas que muito diferentemente arrumei um indiano, a expressão das pessoas é a mesma. Gostaria muito de ter uma foto com o rosto de alguém no exato momento que respondo, porque é algo quase inexplicável, uma mistura de surpresa e um pouco de nojo. Traduziria a expressão com a frase: "Não tinha nada melhor para arrumar por lá?". Pois é, um indiano, mas graças a novela Caminho das Índias e graças ao Raj, a mente das pessoas mudaram um pouco em relação a Índia. Nada de pessoas escuras, de bigode, se lavando no rio Ganges. Curiosamente elas perguntaram se eu tinha uma foto e por sorte tinha uma no celular. Mostrei e gostaram, gostaram do meu Pankaj que faria muita falta mais tarde.
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De banho tomado, bermuda, camiseta e tênis, o médico me atendeu. No início não muito bem, ficou bravo quando minha mãe falou que não estava me sentindo bem por alguns dias. "Porque não veio antes então", não muito amigavelmente ele nos respondeu, mas me examinou muito bem, principalmente depois que descobriu que a consulta não era de convênio e sim particular. No final me contou que o filho dele tinha acabado de ir para Austrália, que não tinha nem chegado por lá naquele momento. Também deixou telefone junto com a receita, caso precisasse de ajuda a qualquer hora. Me lembro muito bem de ter mencionado a dormência nas extremidades, mas saí de lá com antibióticos e calmante, pronta para viajar.