quinta-feira, 23 de junho de 2011

5. Hospital do Coração

PARTE 2 - minha vida após o diagnóstico

*Sei que demorei muito, mas muito para voltar a escrever por aqui...mas a história tinha chegado em um ponto que era quase impossível continuar escrevendo. Lembrar de tudo é muito difícil, é como se eu estivesse caindo doente denovo. Precisei de um tempo para continuar...
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O último post foi em novembro, depois veio o Natal, Ano Novo, meu aniversário...A partir do meu aniversário, foi mais difícil tentar escrever, pois sabia exatamente o que estava acontecendo no ano passado, era praticamente impossível não relacionar o dia 30 de janeiro de 2010 com o dia 30 de janeiro de 2011 por exemplo. Uma relação de presente e passado que no fundo não era muito saudável para mim, principalmente durante a fase da evolução da doença. O dia que eu cheguei no Brasil, os primeiros sintomas, os médicos, a praia, a evolução da paralisia e assim vai...até o último dia 8, quando se fez  um ano que  voltei para a Irlanda, posso dizer que de janeiro a junho eu tinha uma memória diária comparativa com a do ano passado, se posso me explicar assim.
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Toda vez que ligava para minha mãe ou em conversas com meu namorado, era praticamente impossível não comparar os dias. Lembro quando comentamos este ano sobre o dia dos namorados, que é comemorado aqui no dia 14 de fevereiro. Para mim é como se fosse hoje, o Pankaj me ligando, me desejando feliz dia dos namorados e eu na cama da minha mãe, sem movimentos ainda e praticamente sem voz e sem forças para segurar o telefone e conversar com ele. São lembranças que mexem muito comigo ainda, por isso tão difícil escrever...Mas estou aqui hoje e vamos continuar com minha história!
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Sair daquele consultório depois da notícia e encarar pessoas na sala de espera, no elevador, no estacionamento, foi muito difícil. Mais difícil foi o caminho do consultório até o Hospital do Coração. Olhar pela janela do carro e ver as pessoas felizes, carregando sua cadeira de praia, olhando vitrines, tudo isso gerava uma sensação de incapacidade, de raiva, de tristeza...Tudo que eu queria era aproveitar minhas férias no Brasil e aquilo tinha virado um dos piores pesadelos. O meu plano que tinha começo, meio e fim tinha virado algo com fim incerto. Nada mais estava nas minhas mãos e isso dá medo. Durante toda a sua vida você tem a impressão que pode mandar, comandar e escolher tudo, mas quando isso acontece, você fica tão pequeno e frágil...Se tivesse como, a minha vontade era de me jogar aos pés de Deus implorando para que tudo voltasse a ser como era antes.
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Assim que cheguei no hospital, ja fui recebida com uma cadeira de rodas e aquilo assustou. Sentada, não me sentindo muito confortável e não me aceitando naquele estado, esperei pela minha mãe até que todos os trâmites para que eu pudesse ir para o quarto fossem resolvidos. Cheques e mais cheques, cobranças, formulários, um cenário frio e atuações estranhas de se ver quando se trata de alguma doença séria. Mas foi assim e sempre será assim. Sem a burocracia em primeiro lugar não vem o tratamento.
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Depois de tudo resolvido, fui para o quarto. O último quarto do corredor e a última vez que ficaria sentada por muitos dias difíceis que ainda estavam por vir. Minha mãe me ajudou a tirar a roupa e a vestir a camisola do hospital. Tinha que estar pronta para quando o médico quisesse fazer a punção lombar.
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Lembro que foi a última vez que consegui ir ao banheiro. Com bastante dificuldade e ajuda da minha mãe e enfermeira, fui andando até o vaso sanitário, sentei, mas nao tinha mais forças para me levantar. Foi bem difícil também subir na cama, que era alta e tinha uma daquelas escadinhas para subir. Não lembro o que conversei com minha mãe durante as horas que esperamos pelo médico, mas estava cada vez mais desconfortável ficar deitada por tanto tempo.
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Quando o médico chegou ele já estava usando máscara cirurgica e avisou minha mãe que ela deveria usar também, até que fosse descoberta qual doença eu realmente tinha. Depois do Guillain-Barré, também era possível ser difteria, e se fosse, eu poderia transmitir a doença até mesmo ao tentar falar, através de gotículas de secreção, por isso o uso de máscaras. Até a Secretaria de Saúde Pública do Estado de Santa Catarina foi acionada, pois poderia haver um caso de difteria no estado. Outra possibiladade também era a Doença de Lyme, que apresenta os mesmos sintomas, mas é transmitida a partir de um carrapato que pode ser encontrado na Irlanda. Então tive que forçar a memória para tentar lembrar se tinha ficado próxima de algum animal ou se tinha ido para o interior da Irlanda, mas era inverno aqui e o mais próximo que fiquei de um animal  foi talvez do cisnei que passava no rio em frente a minha casa, mas isso há metros e metros de distância. Para quem conhece, eu morava na Ellis Quay, em frente ao Rio Liffey em Dublin. O médico chegou a levar uma foto do carrapato ampliada para se certificar de que eu nunca tinha visto aquilo na minha vida, mas eu nunca tinha visto e nem quero ver... Também desconfiaram do Botulismo ("O diagnóstico clínico é feito pelos sintomas: paralisia muscular progressiva, iniciando-se pela face, ptose palpebral (fecha o olho), dificuldade de deglutição e visão dupla. Os sintomas progridem pela musculatura, causando dificuldade motora e de respiração. Os sintomas podem se confundir com doenças nervosas e diversas intoxicações, como por pesticidas, o que as vezes retarda o tratamento.") e fui questionada se tinha comido algo em conserva, ou que estava fora da geladeira há bastante tempo, mas minha resposta era sempre negativa. Diz minha mãe que após contar tudo para minhas amigas da Irlanda, elas lembraram que antes de eu ir para o Brasil, tinha comido pastel de palmito, que era de conserva, mas no desespero na cama de hospital, nunca ia lembrar o que tinha comido na Irlanda antes de voltar para o Brasil. Então fica aí a dica para vocês também, é muito perigoso deixar aquela latinha de molho de tomate aberta por algum tempo ali na pia, ou o catchup e conservas em geral. Sempre que abrir um produto, use imediatamente e o que restar vai direto para a geladeira. Bactérias podem causar doenças crônicas como o lúpus, então é melhor não arriscar.
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Depois de todo o interrogatório, chegou a hora que eu mais temia, a tal punção lombar. Os meus músculos já estavam atrofiando e eu sentia muitas dores. Era difícil me mexer, virar ou encolher as pernas, a todo momento estava numa posição reta e para fazer a punção, era preciso ficar na posição de um feto. A minha mãe foi convidada a se retirar do quarto e assim ficamos o médico, enfermeira e eu (suando frio de medo). Mesmo não conseguindo ver nada, eu sabia examente o que ia acontecer, pois antes de viajar eu estava viciada em assistir Plantão Médico e Grey's Anatomy na Irlanda, então estava por dentro de vários procedimentos médicos, o que acho que foi muito pior para mim.
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Me pediram para virar de lado e me encolher, mas não consegui fazer a segunda parte. A enfermeira então, com muita força, segurava meu corpo na posição de feto e sentindo muita dor muscular, encostava minha cabeça nos joelhos.

Juro que a dor que eu sentia nos meus músculos foi maior do que a da agulha entrando na minha espinha. Foi uma situação muito desconfortável, acho que o medo me deixou tão tensa que eu sentia dores no corpo todo como se fossem caimbras. A sensação de ter a agulha entrando também foi muito dolorosa, e estranhamente eu escutava um tipo de barulho que estava vindo da minha coluna (feche sua boca e dê umas mordidas, o barulho que você escuta quando um dente bate no outro, era mais ou menos o tipo de barulho que eu escutava dentro de mim), cada mordida correspondia a entrada da agulha dentro de mim, como se ela entrasse em soquinhos.

Eu não chorei, mas gemia por causa do conjunto de dores que estava sentindo. A enfermeira passava a mão na minha cabeça e falava que já estava terminando. Fazia carinho para eu me acalmar e os dois me confortavam com palavras. O procedimento foi rápido, mas eu não desejo aquilo para ninguém. Para não sentir mais dores do que estava sentindo, depois da punção eu deveria ficar na mesma posição por mais de 8 horas e aquilo foi muito difícil também.
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Tive que passar a noite deitada de barriga para cima. Cada hora era uma eternidade. Sabe quando está bem frio, você vai para a cama, dorme e acorda na mesma posição de quando dormiu? Parece tão simples, mas quando você sabe que não pode se mexer de maneira nenhuma, tudo fica mais difícil. As dores na coluna iam aumentando, as pernas estavam desconfortáveis e quem sofria comigo era minha mãe. Pedia a todo momento para virar, mas nós sabíamos que não era permitido. Reclamei tanto que minha mãe foi atrás da enfermeira, mas ela também não deixou eu me mexer e foi assim que passei minha última noite antes de ir para a UTI. Lutei contra as dores que já começavam a se manifestar e contra a vontade de me movimentar. Foi o começo de uma guerra.